Nesse sábado, dia 20 de abril, dezenas de estudantes de diferentes faculdades e escolas do estado de São Paulo se reuniram na Faculdade de Saúde Pública para debater sobre o projeto de cotas raciais a ser defendido pela ANEL.
O dia começou com um painel de apresentação de diferentes perspectivas sobre a questão das cotas e do racismo em nosso país. Wilson H. da Silva, do Quilombo Raça e Classe, foi responsável por trazer o panorama histórico do racismo no Brasil, o último país da América Latina a abolir a escravidão. Onde os resquícios dessa situação são profundos na situação em que se encontram os negros hoje, com relação aos brancos. Ao ponto de que hoje 76% da população matriculada no Ensino Superior do estado de São Paulo é branca. Num país em que cerca de 15% da população negra é analfabeta, diante de apenas 5% da população branca.
Estiveram presentes a Frente Pró-Cotas de SP, a Frente Pró-Cotas da USP e a Comissão Executiva Nacional da ANEL, reforçando a necessidade de que haja uma política específica para os negros no aspecto da educação, pra que possam ser inseridos nas universidades.
Na parte da tarde foi apresentado o projeto votado pela Executiva Estadual de SP para que os estudantes debatessem. Um projeto que contemplasse a população negra, exigindo que a mesma porcentagem de pretos e pardos no conjunto do estado, apontados pela última pesquisa do IBGE, fosse a porcentagem de cotas raciais nas universidades. Um projeto que faça frente ao que é o PIMESP, um ataque racista do governo do PSDB, colocando a juventude preta dentro da universidade e dando a ela outro futuro. Em uma universidade com verba especifica para a permanência desses estudantes, em que a comunidade universitária decida sobre os rumos dessa verba.
Mesa de abertura. |
O seminário de Cotas Raciais foi um importante passo para avançar na luta contra o PIMESP, contra o racismo e a violência que sofre a juventude negra. Concretizando um projeto que iremos debater com o restante do movimento negro e estudantil e travar nas ruas a disputa pelas cotas raciais que nós queremos.
Além disso, foi mais uma das iniciativas pro conjunto do estado de elaboração para o 2º Congresso da ANEL. Onde debateremos a questão do racismo, das cotas e teremos o lançamento da Cartilha de Cotas Raciais da ANEL. Saímos esse final de semana com mais acúmulo e disposição pra lutar em defesa do futuro da juventude negra, em Juiz de Fora estaremos com o restante do país trocando nossas experiências e construindo a luta para o país todo.
Confira abaixo o Projeto de Cotas Raciais da ANEL-SP, aprovado no seminário:
PROJETO DE COTAS RACIAIS
DA ANEL – SP
A juventude negra tem
direito ao futuro!
O Brasil é um país
racista.
Em nosso país, a
realidade do povo negro mostra que estamos muito longe de viver no “Brasil da
Igualdade Racial”. As senzalas modernas são o trabalho terceirizado, a
violência policial, a precariedade dos serviços públicos, a política de
criminalização da pobreza e a higienização étnico-racial da população
afrodescendente.
Apresentação da proposta da CEE. |
O movimento negro já teve
importantes conquistas, a começar pela criminalização do racismo, que, apesar
de raramente sair do papel, é uma ferramenta de amparo, pois inibe e coíbe a
prática do preconceito. Contudo, combater o racismo é muito mais do que
simplesmente punir as práticas preconceituosas. Passa, também, por exigirmos do
Estado e dos governos que os crimes históricos contra o povo negro sejam
reparados.
Por isso mesmo, nas
últimas décadas, as lutas do movimento negro têm se voltado fundamentalmente
para as ações afirmativas e as reparações, que amenizem as marcas deixadas por
uma história de um povo que foi escravizado, humilhado e teve seus direitos
pisoteados e sonegados.
As cotas raciais são
ações afirmativas, ou seja, políticas e medidas que podem “minimizar” os
efeitos da discriminação, marginalização e segregação. Por isso, estas ações
também são conhecidas como “discriminação positiva”.
Cotas Raciais: uma medida
necessária
Sabemos que as cotas
raciais não vão acabar com o racismo. No entanto, essa reivindicação é parte da
luta necessária para que o povo negro conquiste, de fato, a igualdade e tenha a
devida reparação pelos séculos de escravidão, marginalização e exclusão.
Infelizmente, a educação
em nosso país está longe de emancipar a população e produzir conhecimento para
atender às necessidades sociais. Sempre esteve aliada aos antigos interesses de
uma elite conservadora, em sua grande maioria branca e herdeira do pensamento
escravocrata.
Essa elite forjou uma
educação com o objetivo de construir valores éticos e morais que reafirmassem a
suposta democracia racial existente no Brasil e escondessem a herança dos
negros na história do país. Tratou, assim, de homogeneizar, higienizar e padronizar
culturalmente as práticas e os saberes, prevalecendo sempre um padrão estético
e histórico vinculado à sociedade europeia.
Alguns dados do IBGE
(2010) comprovam o abismo social e racial existente na educação. Apenas 5,9%
dos jovens brancos, com 15 anos de idade ou mais, são analfabetos. Essa
proporção aumenta para 13% nos jovens pardos e para 14,4% nos jovens pretos da
mesma idade. Se olharmos para o ensino superior, veremos que apenas 8,3% dos
estudantes das universidades públicas são negros.
Por isso, a luta pelas cotas raciais é, em
primeiro lugar e acima de tudo, uma luta contra o racismo e não pela
democratização do acesso ao ensino superior. Infelizmente, ainda hoje, são
reservados aos negros os bancos nas escolas públicas sucateadas, no melhor dos
casos, nas universidades particulares. As universidades públicas ainda são um
sonho distante. A obrigatoriedade das cotas é um avanço, mas a ampliação do
acesso à universidade atravessa necessariamente a luta pelo fim do funil do
vestibular, a estatização das universidades privadas e por mais investimentos
na educação pública, sendo, portanto, indissociável da luta por outro projeto
de educação.
Por outro lado, a adoção de cotas sociais para
estudantes da rede pública de ensino não atende diretamente à juventude negra.
Aplicar apenas as cotas sociais reforça a ideia de que não existem mecanismos
de exclusão racial no Brasil e, por conseguinte, não é necessária uma política
de reparação histórica específica ao povo negro. E os números demonstram o contrário:
há enormes diferenças nos níveis de alfabetização e condições de vida, de
brancos e negros, mesmo entre aqueles que freqüentam a escola pública.
Arielli Tavares, da CEE-SP |
Mesmo que os negros sejam
a maioria dos estudantes de baixa renda, eles, além de sofrerem com a pobreza,
sofrem também com a opressão racial. Por isso, os negros são a maioria entre os
jovens analfabetos e abandonam os estudos mais cedo. Além da compreensão
implícita, na sociedade, de que a universidade não é o lugar dos negros.
Dessa forma, apenas com
as cotas sociais, assistiríamos uma maior inclusão dos brancos e, ainda,
estaríamos contribuindo ao não-reconhecimento das profundas marcas do racismo
em nossa sociedade. Portanto, defendemos as cotas raciais, desvinculadas das
sociais, visando promover a reparação histórica ao povo negro, que ainda sofre
com as consequências de séculos de escravidão e racismo em nosso país.
PIMESP: elitização,
preconceito e precarização no ensino superior paulista!
Grupos de Trabalho e Discussão |
O governo Alckmin
apresentou, no fim de 2012, seu projeto de “democratização” do ensino superior
paulista, o Programa de Inclusão com Mérito do Ensino Superior Paulista
(PIMESP). O programa prevê, em linhas gerais, uma meta de que 50% das
vagas das três universidades estaduais paulistas e da FATEC correspondam a alunos
da rede pública e negros com uma prazo de 10 anos para que se reavalie o
programa. Os alunos serão selecionados pelo ENEM e pelo Saresp.
Entretanto, os cotistas
serão integrados ao Instituto Comunitário do Ensino Superior (ICESP), um tipo
de “college” semipresencial de dois anos, em parceria com a UNIVESP, no qual os
alunos terão aulas de reforço (nivelamento) de exatas, humanas e biológicas.
Após um ano do “college”, só os cotistas com aprovação integral poderão
ingressar na FATEC. Depois do segundo ano, apenas os cotistas com rendimento
superior a 70%, além de receberem um diploma de ensino superior sequencial,
poderão ingressar na universidade.
A ordem de preenchimento
das vagas e a escolha dos cursos serão determinadas segundo o ranking dos
alunos no “college”. Todos os cotistas ganharão uma bolsa ínfima de meio
salário mínimo. O projeto deve ser ainda aprovado pelos Conselhos
Universitários para ser implementado a partir de 2014.
Esse projeto pressupõe
que os negros cotistas não poderão ter o mesmo desempenho que os brancos e que,
portanto, vão piorar a qualidade de ensino das universidades públicas. Por
isso, precisam de uma antessala antes do acesso à universidade, dois anos de
curso preparatório.
O PIMESP só aumenta o
caráter meritocrático do acesso ao ensino superior público no estado, cobrando
altos índices de aprovação dos alunos. A exigência de mais de 70% de rendimento
aos cotistas é mais um obstáculo para os jovens negros, que, na prática, vai
provocar uma alta taxa de evasão do “college”.
Yago Matos e Lígia Carrasco, da CEE. |
O projeto do governo
estadual também reserva aos cotistas uma educação de péssima qualidade, com
ensino à distância, ampliando as funções da UNIVESP (Universidade Virtual do
Estado de São Paulo). Além disso, instaura o ensino superior sequencial, de
dois anos, os famosos “escolões” de 3º grau, com o intuito de formar
rapidamente mão de obra semiespecializada.
O projeto de Cotas
Raciais da ANEL – SP
A Executiva Estadual da
ANEL – SP quer elaborar uma proposta de cotas raciais do movimento estudantil
independente, com o objetivo de proporcionar aos estudantes do estado de São
Paulo um programa voltado a contemplar as necessidades da juventude negra.
Essa iniciativa é muito
importante neste momento, pois o conjunto do movimento estudantil e negro
paulista, que se encontra em luta contra o PIMESP, está polarizado por outros
projetos de cotas de parlamentares da ALESP. Abaixo, as linhas gerais de nosso
projeto de cotas raciais:
1) Reservar uma
porcentagem das vagas das três universidades estaduais paulistas (USP, UNESP e
UNICAMP) e do Centro Paula Souza (FATEC e ETEC) às cotas raciais, para todos os
cursos e períodos. Essa porcentagem será idêntica à porcentagem de negros na
população do estado de São Paulo, segundo a pesquisa mais recente do IBGE.
2) Os alunos deverão
escolher entre o processo seletivo tradicional e as cotas raciais na hora da
inscrição ao Exame de Vestibular. O direito dos alunos às cotas raciais será determinado
por meio do método da autodeclaração coletiva.
3) As instituições
públicas de ensino técnico e superior do estado – USP, UNESP, UNICAMP e o
Centro Paula Souza – deverão destinar verbas específicas às políticas de
Permanência Estudantil voltadas a todos os(as) estudantes cotistas, que serão
geridas por uma comissão de estudantes, funcionários e professores autônoma.
Políticas de Permanência Estudantil são as medidas institucionais que visam
assegurar moradia estudantil, alimentação, transporte, bolsas sem
contrapartida, creches, entre outros direitos dos estudantes.
Iniciativas:
1)
Intensificar a campanha contra o PIMESP e pela defesa das cotas raciais,
apresentando o nosso projeto nas escolas e universidades com debates, passagens
em sala, etc.
2)
Material online síntese da proposta e publicação do texto no blog da
executiva.
Plenária Final |
3)
Próximo boletim da ANEL apresentando o nosso projeto indicado para o
inicio do mês de maio.
4)
Setorial de opressões na executiva estadual, aberto para a participação
de todos, com o objetivo de aprofundar e divulgar o tema.
5)
Nota exigindo a aplicação do projeto de lei que prevê o ensino sobre a
história da África e do povo negro.
6)
Indicar para a executiva estadual redigir uma moção de apoio à luta dos
estudantes da UNESP por permanência estudantil.