A
proposta de democratização do acesso ao ensino superior paulista, o PIMESP,
apresentada pelo Governo do Estado de São Paulo no fim do ano passado, tem
enfrentado a resistência do movimento negro e estudantil, e gerado uma
mobilização nas universidades escolas. Essa polarização coloca em evidência a
necessidade de que a sociedade reflita sobre qual deve ser a melhor maneira de
começar a solucionar a contradição evidente entre o número de jovens em idade
universitária e a ínfima parcela destes que estão dentro das universidades
públicas.
Na discussão acerca das cotas, há um debate
que precisa ser encarado antes de qualquer coisa: a presença do racismo na
sociedade brasileira. Vivemos em um país racista, onde os negros foram historicamente
penalizados, com séculos de escravidão e exclusão social. Essa situação existe
ainda hoje, não faltam dados para demonstrar a realidade de pobreza e
marginalidade social que atinge a imensa maioria do povo negro no Brasil.
O
movimento negro, durante os anos de sua luta, acumulou uma série de pautas de
reparação histórica, que incluem uma série de medidas afirmativas. No caso da
educação, uma das pautas históricas é, justamente, a adoção de cotas raciais
nos vestibulares das instituições de ensino superior e técnico.
Diferente
daquilo que diz o governo Alckmin, a única maneira de que o ensino público seja
de fato universal e tratado com um direito, e não como privilégio, é
desconstruir a meritocracia que sustenta atualmente o vestibular e o aparelho
de gigantescos cursinhos, que lucram com a promessa de garantir o acesso às
melhores universidades do país.
No
entanto, ao contrário do que os veículos de comunicação vêm divulgando, o
projeto apresentado pelo governo não estabelece cotas, somente metas. Que
podem, ou não, ser atingidas. O intuito do PIMESP, na verdade, como deixa claro
a última declaração de Carlos Vogt, presidente da UNIVESP, é ampliar o ensino à
distancia e os cursos sequenciais de nível superior, ambos ataques à qualidade
da educação pública:
"Além de somar
esforços com as universidades para o cumprimento das metas estabelecidas no
PIMESP, os cursos universitários sequenciais têm uma finalidade em si, que é a
criação de uma nova modalidade de oferta de ensino superior público gratuito no
Estado de São Paulo. O ICES ofertará cursos sequenciais que contribuirão para
aumentar a oferta de vagas no sistema, agregando aos bacharelados tradicionais
e tecnológicos, uma modalidade de ensino que alia a formação básica ampla e
geral ao encaminhamento da formação profissional dos jovens estudantes(...)”
“O ICES é, na
verdade, uma nova modalidade de ensino superior no Estado de São Paulo, que
além de oferecer o diploma de nível superior, garante aos concluintes o acesso
a outros cursos, nas universidades e Fatecs, sem a necessidade de passar pelo
vestibular." (Considerações e esclarecimentos sobre o Programa de Inclusão com
Mérito no Ensino Superior Público Paulista - PIMESP de Carlos Vogt entregue
aos membros das congregações da USP, veja o texto na íntegra)
O Pimesp é um projeto
racista, porque pressupõe que os estudantes negros irão diminuir a qualidade
das universidades se ocuparem diretamente as vagas do ensino superior,
ignorando a experiência de mais de 10 anos de implementação de cotas na UERJ e
na UFBA onde se comprovou que os cotistas tem desempenho igual ou superior aos
dos alunos não-cotistas; Um projeto meritocrático que exige um rendimento de
70% para que os alunos possam concorrer ao direito de ocupar uma vaga em um
curso superior presencial nas estaduais paulistas e na FATEC. Em uma sociedade
em que as condições sociais não são as mesmas para todos um projeto que se apoia
no mérito como critério de desempate não está valorizando o esforço de alguns,
mas apenas afirmando os privilégios de muito poucos. Por fim, se trata de um
projeto precarizante, que repete os erros dos projetos de educação federais, se
apoiando no ensino à distancia e nos cursos de formação sequencial como falsas
medidas de democratização do ensino superior que não resolvem as demandas dos
jovens negros e que está sendo tratado pelo governo como uma iniciativa
poderosa de democratização do acesso à universidade.
A última versão do projeto que foi divulgada deixa
muito claro qual é a verdadeira intenção do governo estadual ao apresentar esse
projeto “Entre os que querem mais e os
que querem menos está o PIMESP, isto é, na confluência da tensão de desejos
opostos e forças contrárias, que produzem como resultado a mesma negação. Os
que querem menos tendem a defender a manutenção do status quo, recusando
considerar qualquer tipo de proposta que objetive programas de inclusão social,
mesmo com características fortes de defesa do mérito e da qualidade do ensino,
como é o caso do que propõe o PIMESP. Os que querem mais almejam um programa
que reserva vagas nas universidades e ponto final. (...)
Em termos
qualitativos, o projeto se destaca por garantir a distribuição das vagas
ocupadas pelas metas por todos os cursos e turnos e, ainda, por trazer na
proposta do Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), o princípio de
criação de uma nova modalidade de oferta de ensino superior público gratuito no
Estado de São Paulo, que virá contribuir para aumentar a oferta de vagas no
sistema, agregando aos bacharelados tradicionais e tecnológicos uma modalidade
de ensino que alia formação básica ao encaminhamento cultural e profissional
dos jovens estudantes.” Veja versão na íntegra da última versão do
projeto.
Nosso movimento está entrando em um momento decisivo, pois,
ao mesmo tempo em que temos o desafio de barrar o PIMESP, também temos que
avançar na disputa de consciência da sociedade para implementação de um
verdadeiro projeto de lei para implementar as cotas raciais nas estaduais
paulistas.
Qual é o projeto de cotas o movimento deve defender?
Para
alcançar nossos objetivos, não podemos ter dúvidas, em primeiro lugar, que
nosso caminho deve ser traçado a partir da mobilização direta, confiando em
nossas próprias forças, com independência política.
O
projeto de cotas que deve ser defendido pelo movimento, por tanto, deve, acima
de tudo, estar referenciado nas necessidades dos jovens negros e não na proposta
mais "viável" de ser tolerada pelos deputados na ALESP.
A
pauta histórica que foi acumulada pelo movimento negro, depois de anos de luta
e enfrentamentos, pode ser sintetizada em três pontos iniciais que
posteriormente devem ser desenvolvidos para concretizar o projeto da melhor
forma possível:
1. A proporção das vagas das universidades e escolas
técnicas reservadas às cotas raciais deve ser igual è porcentagem de negros
autodeclarados no estado, segundo a última pesquisa do IBGE.
No
estado de São Paulo, o número de negros autodeclarados está em torno de 37% da
população. Portanto, nosso compromisso é lutar para conquistar a reserva de 37%
das vagas da USP, UNESP, UNICAMP e FATEC às cotas raciais.
2. As cotas raciais devem ser desvinculadas das cotas sociais.
As
cotas que levam em consideração a origem social e a situação econômica dos
estudantes não contemplam a pauta dos negros, porque não tocam na questão
racial. São os negros que são discriminados por sua origem social e também pela
sua aparência, são os negros que são mais facilmente identificados como
criminosos e tem as piores condições de vida em todas as estatísticas que já
foram divulgadas. Portanto, um projeto de cotas que queira de fato encarar o
racismo em nossa sociedade não deve vincular uma cota à outra. Isso porque, ao
fazê-lo, a proporção das cotas raciais cai pela metade. Ou seja, na prática, a
vinculação das duas cotas faz com que nossa pauta seja reduzida e os negros
tenham ainda menos possibilidades de entrar nas instituições públicas.
3. Investimento de verba especifica em políticas de
Permanência Estudantil voltadas aos cotistas.
Depois do acesso ao ensino superior, os desafios
apenas começaram para a maioria da juventude negra. A alta taxa de evasão do
ensino superior é resultado das dificuldades que os jovens enfrentam para se
manter nas universidades, tendo que se dividir entre os estudos e o trabalho, ou
arcando com gastos com alimentação, moradia e transporte. No caso dos
estudantes negros e de escolas públicas, essa situação é ainda mais grave. Por
isso, um projeto de cotas deve conter a destinação de uma verba especifica para
a Assistência Estudantil, através da garantia aos cotistas de bolsas de estudo,
moradias estudantis, transporte gratuito, creches, alimentação etc.
Infelizmente, o projeto PL 180/208, de autoria do governo federal e em vigor a partir
deste ano está muito aquém de atender a essas demandas. Além de vincular as
cotas racias à cotas sociais, o projeto não tem uma única consideração sobre a
questão da permanência estudantil.
Da mesma
forma, tanto o PL530/2004, de
autoria do deputado Vacarezza do PT, quanto o PL 321/2012 que estão tramitando
na ALESP também não contemplam as pautas mínimas que o movimento sempre
defendeu.
Seminário Estadual para elaborar um PL de cotas do movimento
A
ANEL vai realizar no dia 20 de abril, a partir das 10h da manhã, na Faculdade
de Saúde Pública da USP, um seminário estadual de cotas raciais. O objetivo do
seminário é elaborar um projeto de cotas do movimento. Acreditamos que a melhor
forma de avançar na compreensão de nossas pautas é a partir da elaboração coletiva
dos estudantes e do movimento negro. Por isso, convidamos todos os ativistas e
organizações do movimento a se somarem nessa iniciativa e virem conosco para
aprofundar esse debate!
O
II congresso Nacional da ANEL, que vai acontecer nos dias 30 maio a 2 de junho,
em Juiz de Fora, será o espaço onde se encontrarão estudantes de todo país para
debater suas pautas e iniciativas comuns. Será um espaço para fortalecer a luta
da juventude contra as desigualdades e injustiças sociais e por outro projeto
de educação. O Seminário Estadual de Cotas da ANEL é mais um passo na
construção desse Congresso e representa um esforço de nossa entidade em
unificar o movimento estudantil com o movimento negro.
Venham todos ao congresso da ANEL! Com sonhos e lutas
se faz o futuro!