15 de abril de 2013

Rumo ao II CONANEL: Seminário Estadual de Cotas da ANEL-SP

              
                A proposta de democratização do acesso ao ensino superior paulista, o PIMESP, apresentada pelo Governo do Estado de São Paulo no fim do ano passado, tem enfrentado a resistência do movimento negro e estudantil, e gerado uma mobilização nas universidades escolas. Essa polarização coloca em evidência a necessidade de que a sociedade reflita sobre qual deve ser a melhor maneira de começar a solucionar a contradição evidente entre o número de jovens em idade universitária e a ínfima parcela destes que estão dentro das universidades públicas.
                 Na discussão acerca das cotas, há um debate que precisa ser encarado antes de qualquer coisa: a presença do racismo na sociedade brasileira. Vivemos em um país racista, onde os negros foram historicamente penalizados, com séculos de escravidão e exclusão social. Essa situação existe ainda hoje, não faltam dados para demonstrar a realidade de pobreza e marginalidade social que atinge a imensa maioria do povo negro no Brasil.
                O movimento negro, durante os anos de sua luta, acumulou uma série de pautas de reparação histórica, que incluem uma série de medidas afirmativas. No caso da educação, uma das pautas históricas é, justamente, a adoção de cotas raciais nos vestibulares das instituições de ensino superior e técnico.
                Diferente daquilo que diz o governo Alckmin, a única maneira de que o ensino público seja de fato universal e tratado com um direito, e não como privilégio, é desconstruir a meritocracia que sustenta atualmente o vestibular e o aparelho de gigantescos cursinhos, que lucram com a promessa de garantir o acesso às melhores universidades do país.
                No entanto, ao contrário do que os veículos de comunicação vêm divulgando, o projeto apresentado pelo governo não estabelece cotas, somente metas. Que podem, ou não, ser atingidas. O intuito do PIMESP, na verdade, como deixa claro a última declaração de Carlos Vogt, presidente da UNIVESP, é ampliar o ensino à distancia e os cursos sequenciais de nível superior, ambos ataques à qualidade da educação pública:
"Além de somar esforços com as universidades para o cumprimento das metas estabelecidas no PIMESP, os cursos universitários sequenciais têm uma finalidade em si, que é a criação de uma nova modalidade de oferta de ensino superior público gratuito no Estado de São Paulo. O ICES ofertará cursos sequenciais que contribuirão para aumentar a oferta de vagas no sistema, agregando aos bacharelados tradicionais e tecnológicos, uma modalidade de ensino que alia a formação básica ampla e geral ao encaminhamento da formação profissional dos jovens estudantes(...)”
“O ICES é, na verdade, uma nova modalidade de ensino superior no Estado de São Paulo, que além de oferecer o diploma de nível superior, garante aos concluintes o acesso a outros cursos, nas universidades e Fatecs, sem a necessidade de passar pelo vestibular." (Considerações e esclarecimentos sobre o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista - PIMESP de Carlos Vogt entregue aos membros das congregações da USP, veja o texto na íntegra)
                O Pimesp é um projeto racista, porque pressupõe que os estudantes negros irão diminuir a qualidade das universidades se ocuparem diretamente as vagas do ensino superior, ignorando a experiência de mais de 10 anos de implementação de cotas na UERJ e na UFBA onde se comprovou que os cotistas tem desempenho igual ou superior aos dos alunos não-cotistas; Um projeto meritocrático que exige um rendimento de 70% para que os alunos possam concorrer ao direito de ocupar uma vaga em um curso superior presencial nas estaduais paulistas e na FATEC. Em uma sociedade em que as condições sociais não são as mesmas para todos um projeto que se apoia no mérito como critério de desempate não está valorizando o esforço de alguns, mas apenas afirmando os privilégios de muito poucos. Por fim, se trata de um projeto precarizante, que repete os erros dos projetos de educação federais, se apoiando no ensino à distancia e nos cursos de formação sequencial como falsas medidas de democratização do ensino superior que não resolvem as demandas dos jovens negros e que está sendo tratado pelo governo como uma iniciativa poderosa de democratização do acesso à universidade.
A última versão do projeto que foi divulgada deixa muito claro qual é a verdadeira intenção do governo estadual ao apresentar esse projeto “Entre os que querem mais e os que querem menos está o PIMESP, isto é, na confluência da tensão de desejos opostos e forças contrárias, que produzem como resultado a mesma negação. Os que querem menos tendem a defender a manutenção do status quo, recusando considerar qualquer tipo de proposta que objetive programas de inclusão social, mesmo com características fortes de defesa do mérito e da qualidade do ensino, como é o caso do que propõe o PIMESP. Os que querem mais almejam um programa que reserva vagas nas universidades e ponto final. (...)
Em termos qualitativos, o projeto se destaca por garantir a distribuição das vagas ocupadas pelas metas por todos os cursos e turnos e, ainda, por trazer na proposta do Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), o princípio de criação de uma nova modalidade de oferta de ensino superior público gratuito no Estado de São Paulo, que virá contribuir para aumentar a oferta de vagas no sistema, agregando aos bacharelados tradicionais e tecnológicos uma modalidade de ensino que alia formação básica ao encaminhamento cultural e profissional dos jovens estudantes.” Veja versão na íntegra da última versão do projeto.
Nosso movimento está entrando em um momento decisivo, pois, ao mesmo tempo em que temos o desafio de barrar o PIMESP, também temos que avançar na disputa de consciência da sociedade para implementação de um verdadeiro projeto de lei para implementar as cotas raciais nas estaduais paulistas.
Qual é o projeto de cotas o movimento deve defender?
                Para alcançar nossos objetivos, não podemos ter dúvidas, em primeiro lugar, que nosso caminho deve ser traçado a partir da mobilização direta, confiando em nossas próprias forças, com independência política.
                O projeto de cotas que deve ser defendido pelo movimento, por tanto, deve, acima de tudo, estar referenciado nas necessidades dos jovens negros e não na proposta mais "viável" de ser tolerada pelos deputados na ALESP. 
                A pauta histórica que foi acumulada pelo movimento negro, depois de anos de luta e enfrentamentos, pode ser sintetizada em três pontos iniciais que posteriormente devem ser desenvolvidos para concretizar o projeto da melhor forma possível:
1. A proporção das vagas das universidades e escolas técnicas reservadas às cotas raciais deve ser igual è porcentagem de negros autodeclarados no estado, segundo a última pesquisa do IBGE.
                No estado de São Paulo, o número de negros autodeclarados está em torno de 37% da população. Portanto, nosso compromisso é lutar para conquistar a reserva de 37% das vagas da USP, UNESP, UNICAMP e FATEC às cotas raciais. 
2. As cotas raciais devem ser desvinculadas das cotas sociais.
                As cotas que levam em consideração a origem social e a situação econômica dos estudantes não contemplam a pauta dos negros, porque não tocam na questão racial. São os negros que são discriminados por sua origem social e também pela sua aparência, são os negros que são mais facilmente identificados como criminosos e tem as piores condições de vida em todas as estatísticas que já foram divulgadas. Portanto, um projeto de cotas que queira de fato encarar o racismo em nossa sociedade não deve vincular uma cota à outra. Isso porque, ao fazê-lo, a proporção das cotas raciais cai pela metade. Ou seja, na prática, a vinculação das duas cotas faz com que nossa pauta seja reduzida e os negros tenham ainda menos possibilidades de entrar nas instituições públicas.
3. Investimento de verba especifica em políticas de Permanência Estudantil voltadas aos cotistas.
Depois do acesso ao ensino superior, os desafios apenas começaram para a maioria da juventude negra. A alta taxa de evasão do ensino superior é resultado das dificuldades que os jovens enfrentam para se manter nas universidades, tendo que se dividir entre os estudos e o trabalho, ou arcando com gastos com alimentação, moradia e transporte. No caso dos estudantes negros e de escolas públicas, essa situação é ainda mais grave. Por isso, um projeto de cotas deve conter a destinação de uma verba especifica para a Assistência Estudantil, através da garantia aos cotistas de bolsas de estudo, moradias estudantis, transporte gratuito, creches, alimentação etc.
Infelizmente, o projeto PL 180/208, de autoria do governo federal e em vigor a partir deste ano está muito aquém de atender a essas demandas. Além de vincular as cotas racias à cotas sociais, o projeto não tem uma única consideração sobre a questão da permanência estudantil.
Da mesma forma, tanto o PL530/2004,  de autoria do deputado Vacarezza do PT, quanto o PL 321/2012 que estão tramitando na ALESP também não contemplam as pautas mínimas que o movimento sempre defendeu.
Seminário Estadual para elaborar um PL de cotas do movimento
                A ANEL vai realizar no dia 20 de abril, a partir das 10h da manhã, na Faculdade de Saúde Pública da USP, um seminário estadual de cotas raciais. O objetivo do seminário é elaborar um projeto de cotas do movimento. Acreditamos que a melhor forma de avançar na compreensão de nossas pautas é a partir da elaboração coletiva dos estudantes e do movimento negro. Por isso, convidamos todos os ativistas e organizações do movimento a se somarem nessa iniciativa e virem conosco para aprofundar esse debate!

                O II congresso Nacional da ANEL, que vai acontecer nos dias 30 maio a 2 de junho, em Juiz de Fora, será o espaço onde se encontrarão estudantes de todo país para debater suas pautas e iniciativas comuns. Será um espaço para fortalecer a luta da juventude contra as desigualdades e injustiças sociais e por outro projeto de educação. O Seminário Estadual de Cotas da ANEL é mais um passo na construção desse Congresso e representa um esforço de nossa entidade em unificar o movimento estudantil com o movimento negro.
Venham todos ao congresso da ANEL! Com sonhos e lutas se faz o futuro!